Outro dia me perguntaram como que eu, sendo doula pós-parto, pude ter me tornado uma consultora do sono? Como eu poderia administrar o que eram dois serviços completamente opostos? Enquanto a doula cuida da conexão mãe-bebê, uma consultora do sono era exatamente o oposto, sempre com treinamento do sono em mente e querendo obter resultados rápidos, certo? ERRADO.
Eu nunca gostei de polarizações. E tem me deixado muito triste e frustrada o que tenho visto nas redes sociais ultimamente. Alguns defensores da filosofia da Criação com Apego vêm atacando as consultoras do sono, desmoralizando todo o trabalho que fazem. Eles têm igualado a consultoria do sono com o treinamento do sono, e o treinamento do sono com deixar o bebê chorando sozinho. Têm aconselhado mães contra todas as consultoras de sono e sugerido que as mães apenas lidem com a privação do sono e com a exaustão porque isso faz parte da vida de mãe. A imagem que tem sido evocada é de que cama compartilhada e a amamentação em livre demanda são a solução para tudo, e se você não fizer isso, não vai criar filhos seguros. Se você contratar uma consultora de sono, sua conexão com seu bebê será quebrada para sempre e você não pode dizer que é uma mãe “apegada”. A batalha está posta: Criação com Apego X Consultoria do Sono.
Existem tantos equívocos no parágrafo acima que nem sei por onde começar a esclarecê-los.
Criação com Apego
Primeiro, a Criação com Apego é uma filosofia linda. Quem não quer ter um filho seguro que provavelmente se tornará um adulto equilibrado? O problema é que amamentar por pelo menos dois anos (e desmamar apenas quando a criança escolher) e a cama compartilhada não são a única maneira de ter um filho com apego seguro. A filosofia da Criação com Apego, na realidade, nem sequer diz que tem que ser assim, mas é isso que a maioria das pessoas, incluindo defensores da Criação com Apego, pensa que é. E quando pais e mães “com apego” começam a impor seus próprios princípios a outras mães dizendo que essa é a única maneira de ser uma mãe “boa”, eles estão fazendo exatamente o que criticam sobre o trabalho dos consultores do sono: que os consultores do sono impõem seus métodos sobre as famílias e as fazem perder a conexão com o bebê.
Estamos vivendo a era das informações superficiais. E elas proliferam! Poucas pessoas buscam um conhecimento mais profundo sobre suas escolhas, e às vezes acho que menos pessoas ainda sabem interpretar o que leem. Ouve-se que a Criação com Apego tem tudo a ver com a cama compartilhada, com amamentação, com responder a cada gemido do seu bebê, mas não se sabe o que realmente está por trás da criação de um vínculo seguro. No site da API (Attachment Parenting International) é explicado que “a missão da Attachment Parenting International (API) é promover práticas de criação que criam vínculos emocionais fortes e saudáveis entre pais e filhos. A API acredita que a prática da Criação com Apego (do inglês Attachment Parenting – AP) atende às necessidades da criança de confiança, empatia e afeição, provendo a base para uma vida repleta de relacionamentos saudáveis” (http://www.attachmentparenting.org/portuguese). No site, eles também são muito claros sobre cada família ser única: “Estes princípios são definidos de maneira desenvolvida e abrangente o suficiente para serem aplicados a uma grande extensão de realidades familiares. (…) A Criação com Apego não é uma receita de bolo para criação de filhos, portanto, a API recomenda que os pais usem seu próprio julgamento e intuição para criar um estilo de criação que incentive o apego, e que funcione para sua família.” Se, por exemplo, a cama compartilhada não é para você, ou se você não pôde ou optou por não amamentar, existem outras maneiras de você atender à necessidade do bebê de ter carinho e amor e de se relacionar fortemente com seu filho.
Os Princípios da Criação com Apego
Eu gosto muito dos princípios da verdadeira Criação com Apego (veja aqui: http://www.attachmentparenting.org/portuguese). Eu mesma apliquei e ainda aplico seus princípios na maneira como eu crio meus filhos (eles têm 5 e 7 anos hoje). Meu filho e eu nunca fizemos cama compartilhada, e acabei amamentando por apenas 8 meses (por razões que não cabem neste post). Minha filha foi amamentada até os 14 meses e fizemos cama compartilhada parte da noite por alguns meses. Eu usei sling e carregadores com os dois, mas ambos usaram chupeta para dormir até quase os 3 anos. Eu digo que sou uma mãe “apegada”. Alguns diriam que não posso ser uma tendo esse histórico. Mas o que fiz foi apenas adaptar os princípios da API às circunstâncias e dinâmicas da minha família, exatamente como a própria API recomenda! O que mais ouço sobre meus filhos é como eles são confiantes com tudo. E eu vejo muitas famílias com fortes vínculos emocionais sem ter seguido a “lista de coisas que você deve fazer” que tem sido espalhada por aí.
Se uma família escolhe e pode amamentar e fazer cama compartilhada, isso é ótimo, pois são excelentes maneiras de nutrir um forte vínculo emocional com seus filhos! Mas não são o único caminho. O vínculo é nutrido de muitas maneiras diferentes: conversando com seu bebê olho no olho, abraçando-o e segurando-o, brincando com ele, cantando para ele, fazendo juntos as refeições… estando sintonizada com seus filhos! A ideia é que o cuidador principal esteja focado nas necessidades do seu filho, o que só é possível se os próprios cuidadores estiverem bem. Nenhuma mãe será “menos mãe” por não amamentar ou não fazer cama compartilhada. Eu poderia continuar aqui e falar sobre a Teoria do Apego, de Bowlby (utilizada como base para a Criação com Apego), que nos dá muito conhecimento sobre o vínculo, e deixa claro que criar um apego seguro é mais questão de COMO você faz as coisas e responde ao seu bebê, do que O QUE você faz. Mas isso é tópico para outro post.
Consultoria do Sono NÃO É treinamento de sono
O outro grande equívoco que eu gostaria de discutir aqui é o fato de muitos entenderem que consultoria do sono = treinamento do sono = deixar a criança chorando. Isso pode ter sido assim nos anos 90. Porém a ciência do sono evoluiu muito, e com isso o trabalho da consultora do sono também, especialmente aquelas que se dizem HOLÍSTICAS ou INTEGRATIVAS. Conheço pelo menos 5 escolas (2 internacionais, 3 brasileiras) que formam consultoras do sono cujo trabalho vai muito além do treinamento do sono, muitas vezes sem sequer tocar em treinamento. Deixar o bebê chorando sem responder a ele está fora de questão para elas (para nós). E mesmo os métodos gentis (métodos em que os bebês não são deixados a chorar sozinhos), quando aplicados (se é que são – tudo depende das especificidades da família como o bem-estar e temperamento do bebê e da mãe, quão confortável os pais se sentem etc., etc.), só o são depois de uma avaliação profunda de todos os fatores que a ciência nos diz que interferem no sono e depois que estratégias respeitosas são postas em prática para garantir que o bebê e a mãe estejam tendo suas necessidades satisfeitas. Eu não vou mencioná-los agora (estudei meses e meses para aprender sobre eles e tenho falado sobre isso em outros posts), mas a base para um sono saudável é: todas as necessidades atendidas e bem-estar emocional.
Então, quando vejo pessoas condenando o trabalho da consultora do sono, vejo que elas ou desconsideram totalmente o bem-estar físico e emocional dos pais (ao tentar normalizar a privação do sono e a exaustão materna) ou não sabem realmente do que estão falando. Ou ainda, não levam em consideração o estilo de vida ocidental e o mundo em que vivemos.
Falsa oposição
Simplificar e reduzir as coisas e colocar a criação com apego e a consultoria de sono como dois lados opostos é um enorme desserviço para as famílias no mundo real. Existem tantas possibilidades entre os dois extremos que a figura acima mostra, um não sendo a definição de Criação com Apego, o outro não sendo a definição de Consultoria do Sono. Esta batalha que tem sido alimentada por pessoas radicais não nos levará a lugar algum – ou nos levará à beira do precipício.
Há tantas maneiras de ser mãe/pai, tantas maternidades possíveis. É hora de pararmos de julgar uns aos outros e começarmos a aceitar que aquilo que eu acredito e escolho não é necessariamente o melhor caminho para todos. Pode ser o melhor caminho para minha família, mas não para todas as famílias.
Não é uma contradição ser doula e consultora do sono
Meu trabalho como consultora de sono – e o de muitas consultoras de sono que conheço – corresponde totalmente ao meu trabalho como doula pós-parto. Meu foco em ambos é o bem-estar da mãe e do bebê, o respeito por suas escolhas, por suas necessidades e pelo estágio de desenvolvimento da criança. E nós sempre trabalhamos com evidências científicas.
Tanto como doula quanto como consultora de sono holística, eu nunca vou impor nada aos meus clientes – vou discutir com eles opções e vou apoiá-los em suas escolhas, sempre tendo em mente que eles devem fazer apenas o que se sentem confortáveis fazendo.
Eu não acho que um sono saudável é necessariamente dormir a noite toda, eu não acho que é errado os bebês dormirem enquanto mamam, eu nunca vou dizer para não fazer contato visual com o bebê (muito pelo contrário), e eu não acredito que os bebês precisam aprender a dormir. Eu tenho muitas estratégias respeitosas para criar as condições ideais que ajudarão seu filho a alcançar o desenvolvimento neurológico natural que permitirá que sua família tenha um sono saudável e acorde se sentindo bem e com energia suficiente para realizar suas atividades diárias com alegria e conexão.
No fim das contas, isso é o que vai nutrir o apego seguro que todos os pais desejam ter com seus filhos!
P.S .: Cuidado com os fundamentalismos e radicalismos em ambos os lados do espectro. Não acredite em pessoas que dizem que você está fazendo algo errado ou que não há nada a ser feito.
Ola, esse texto é de utilidade pública! Notei exatamente isso no meu entorno. Quem escreveu? Gostaria de fazer contato.
Oi, Lara! Concordo com você! Texto importante! Fui eu que escrevi. Dulce Piacentini, consultora de sono da Abraço de Mãe! Pode me contatar no email: dulce@abracodemae.com
Obrigada!